sábado, 4 de janeiro de 2014

Autismo e novela das 21:00 - último capítulo


Desde que a novela "Amor à Vida" iniciou, sou questionado toda semana (às vezes todos os dias) o que eu acho da atuação da atriz Bruna Lizmeyer, se tem algo a ver com  Nicolas etc.

Ou então já escuto uma crítica ao trabalho num geral. O que mais criticam não é a atuação da atriz, mas os fatos ali relatados e como são abordados.

Bem, para quem já participa de minha vida no cenário do autismo sabe que eu tenho algumas frases que repito sem parar: "Cada caso é um caso", "Seu filho não tem que ser igual ao meu, pois todo ser é único", "Cada um desenvolve, ou não, de uma forma", e assim por diante.

Um dos maiores medos que tenho ouvido de algumas mães de autistas é o fato de se voltar à tona da teoria da "Mãe geladeira", termo cunhado e difundido pelo psicanalista Bruno Bettelheim, nos anos 1950 e 1960, em seus artigos acadêmicos e, mais tarde, em seu livro "The empty fortress" (A fortaleza vazia). Só de escrever sobre o assunto, passo mal!

O que acontece é que este artigo continua a influenciar uma série de psicanalistas, e até mesmo de psicólogos, os quais insistem em dizer que autismo é resultado da falta de afeto da mãe para com seu filho. Este assunto foi vagamente discutido em meu livro "Meu filho ERA autista..." Graças a Deus que não são todos os profissionais que pensam assim.

Ao assistir a alguns capítulos, notei que a personagem Linda é autista (é bem óbvio). O trabalho da atriz, em minha opinião, está bom e retrata uma autista que tem pais, principalmente a mãe, super-protetora. Já temos aí um inverso da mãe geladeira, pois, se lermos com atenção o que isso significa, veremos que esta mãe está fazendo, de forma exagerada, o oposto. A mãe, na novela, também não trabalha para o desenvolvimento da filha. Ela a trata na base do: "Já que é autista, vamos proteger do mundo lá fora e cuidar dela aqui dentro. Ela não desenvolve mais que isso" (ao menos ao meu ver).

Com o passar do tempo (lembrem-se que houve uma época da novela que mostrou o passar do tempo: Valdirene teve filho, mas não acompanhamos toda a gravidez, Atílio foi preso por bigamia, muita coisa mudou e meses se passaram em alguns minutos em um capítulo que explicava isto. Com certeza Linda, que já havia começado terapia com um psicólogo do Hospital San Magno, também fez parte deste "passar de tempo". Então não é tão ilógico que ela tenha desenvolvido "do dia para a noite"!

Outro ponto é que muitas mães estão crucificando e dizendo que "aquilo" não é autismo. Que o autor e a atriz estão acabando com a imagem de "nossos autistas", que aquilo é um absurdo, pois não retrata o autismo como deveria. Outras dizem que deveria ter colocado Asperger, outros, clássico, outros, menino, já que a incidência maior é em meninos, outros... Leia o Facebook e encontrará quinhentas sugestões.

Muitos reclamaram, também, que a Linda aparece pouco, lembremos que é uma novela e que o personagem principal não é a Linda. Enquanto nunca houve um autista em novela, reclamavam, agora que tem, reclamam! Se tirar a personagem da novela, é preconceito, se fizer qualquer coisa, não irá agradar a todos.

Minha opinião é: ao menos foi colocado o assunto. A novela não é sobre autismo e nenhum autista é igual ao outro, então não procuro meu filho retratado ali, mas sim o autismo, de algum âmbito, retratado dentro de uma família. Eu gostaria tanto que, ao invés de saírem gritando feito loucos que "a novela é um absurdo", que explicassem às pessoas próximas a vocês que cada caso é um caso e que aquele não retrata seu filho, mas que há sim, crianças e famílias como aquela, em situação melhor ou pior.

Quando o Nicolas foi entrevistado pela Record, teve gente que perdeu seu tempo para dizer que a televisão só mostra o "lado bom do autismo" OI? "Lado bom"?

Bem, para mim tem sido assim: há o autismo lá na novela e há o nome autismo circulando mais e mais. O que faço é observar alguns pontos com as pessoas e dizer que isso está bom e que isso talvez aconteça com um, mas não com outro.

Da mesma forma que temos gente criticando, tem gente dizendo que a personagem representa seu filho, mas que a mãe não a representa. Simples assim!

Que bom que o assunto veio à tona na novela das 21:00 da Rede Globo... Tem muito mais gente sabendo que existe autista. Cabe a mim, e a você que ama seu filho, elucidar alguns pontos.

Nem todo homossexual é mal igual ao Felix ou bobo demais igual ao Nico. Nem toda mulher que é, ou foi amante (não concordo com amantes, acho que temos que respeitar nossos lares e famílias), é ruim e vingativa como a Aline. Nem toda prostituta é igual à Edith. Nem todo filho adotado é afro brasileiro como o Jaiminho. Nem toda vendedora de cachorro quente já foi Chacrete, como a Marcia... E a lista é infinita. Todos somos seres humanos únicos.

Hoje o Nicolas me disse que gosta do trabalho dela, que ele não é igual a ela porque foi estimulado e mãe dela é uma besta que não deixa ela viver, mas que ela não é autista por causa da mãe...

Bem, desculpem-me a todos os que não concordam comigo, eu os respeito muito, mas muito mesmo, mas honestamente, eu, do alto de minha humilde passagem por este mundo, sou grata a Deus por ter tido a oportunidade de ter um autista na novela. Não tenho preguiça de explicar para as pessoas e tenho prazer em falar sobre o assunto.

Minhas lutas e conquistas são motivo de orgulho para mim. Procuro partilhar minhas conquistas, que são resultados de minhas lutas...

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Sobre tratamentos para o autismo

Gosto deste texto, publicado na Scientific American Brasil, que traz uma visão muito próxima da que acredito. Espero, com este texto, ajudar mais pessoas a entenderem e a analisarem melhor antes de fazerem experimentos com seus filhos.

Sou mãe de autista e só eu sei o quanto sofri buscando respostas, logo minha intenção não é julgar quem busca alternativas diversificadas. Porém, nunca quis fazer experimentos em meu filho, pois o autismo não mata, já alguns "tratamentos", sim.

Recomendo a leitura, embora longa, até o final. Para os que não têm paciência, segue o último parágrafo, que corrobora com o que penso e prego.

"Por enquanto, os pais devem cada vez mais optar por não fazer experiências em seus filhos, isso se conseguirem dormir tranquilos à noite. Quando seu filho, Nicholas, foi diagnosticado aos 2 anos, Michael e Alison Giangregorio, moradores de Merrick (estado de Nova York), decidiram usar somente tratamentos com bases científicas, como a análise comportamental aplicada. “É muito difícil e desafiador ajudar meu filho”, desabafa Michael. “Não estava disposto a tentar terapias experimentais. Era meu dever aplicar somente aquilo em que médicos e pesquisadores despenderam tempo para comprovar o funcionamento e provar que não causaria nenhum dano adicional.” Hoje, Nicholas tem 9 anos e, embora permaneça não verbal, a terapia do comportamento o ensinou a usar sinais físicos para indicar quando precisa ir ao banheiro. Agora, ele pode lavar suas mãos, sentar-se à mesa em um restaurante e caminhar pelos corredores de uma farmácia sem ficar batendo palmas. “Obviamente, o objetivo da minha e da maioria das famílias é levar a vida mais normal possível”, relata Michael, executivo de Wall Street, de 45 anos. “Normal é sair para jantar com a família.”



Segue matéria completa, que vocês podem ENCONTRAR EM: http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/desespero_pela_cura_do_autismo.html


Desespero pela Cura do Autismo

Os diagnósticos evoluíram, mas são poucos os tratamentos eficazes. Pais recorrem a terapias alternativas suspeitas e, com frequência, arriscadas


Nancy Shute

QUANDO SE DIAGNOSTICOU AUTISMO em Benjamin, seu primogênito, Jim Laidler e sua esposa começaram a buscar ajuda. “Os neurologistas diziam: ‘Não sabemos as razões para o autismo nem quais serão as consequências para seu filho’”, relata Laidler. “Ninguém dizia: ‘Essas são as causas; esses, os tratamentos’.”

Mas, ao pesquisarem na internet, os Laidlers, moradores de Portland, no estado americano de Oregon, encontraram dúzias de tratamentos “biomédicos” que prometiam amenizar ou mesmo curar a incapacidade de Benjamin de falar, interagir socialmente ou controlar seus movimentos. E, assim, os Laidlers testaram essas terapias em seus filhos; começaram com vitamina B6 e magnésio, dimetilglicina e trimetilglicina – suplementos nutricionais –, vitamina A, dietas livres de glúten e caseína, secretina – hormônio envolvido na digestão – e quelação, terapia medicamentosa destinada a eliminar chumbo e mercúrio presentes no organismo. Aplicaram esses supostos tratamentos a David, irmão caçula de Benjamim, também diagnosticado com autismo. A quelação não pareceu ser de muita ajuda. Foi difícil perceber qualquer efeito decorrente da secretina. As dietas trouxeram esperança; para onde fossem, os Laidlers carregavam a própria comida. E Papai e Mamãe continuaram a alimentar os garotos com inúmeros suplementos, modificando as doses de acordo com cada alteração comportamental.

O primeiro sinal de fracasso dessas experiências veio quando a mulher de Laidler, cada vez mais cética, interrompeu a administração dos suplementos a Benjamin. Ela esperou dois meses para revelar esse segredo ao marido. Seu silêncio chegou ao fi m quando Benjamin, em uma viagem da família à Disneylândia, pegou um waffle de cima de um bufê e o devorou. Os pais observaram à cena horrorizados, convencidos de que o garoto teria uma regressão do quadro no mesmo instante em que sua dieta restrita fosse interrompida. Mas isso não aconteceu.

Jim Laidler tinha o dever de saber disso: é anestesista. Desde o começo, estava ciente de que os tratamentos usados em seus filhos não passaram por testes clínicos aleatórios,
o padrão-ouro para terapias médicas. “No princípio, tentei resistir”, justifica. Mas a esperança venceu o ceticismo.

Todos os anos, centenas de milhares de pais sucumbem à mesma tentação de encontrar algo capaz de aliviar os sintomas de seus sofridos filhos e filhas: ausência de fala ou comunicação, interações sociais ineptas, comportamentos repetitivos ou restritos, como bater palmas ou fixar-se em um objeto. De acordo com alguns estudos, quase 75% das crianças autistas recebem tratamentos “alternativos” não desenvolvidos pela medicina convencional. Além disso, essas terapias frequentemente são enganosas; não passam por testes de segurança ou eficácia, podem ser caras e, em alguns casos, produzir danos.

SEM CAUSA, SEM CURA

AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de déficits sociais e deficiência mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já aflitos de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao tempo”.


Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefiniram a condição como transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994, da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição altamente incapacitante, popularizada pelo filme Rain Man – e um grupo abrangente, denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especificação”. Os médicos também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1 em 110 crianças.

É controverso dizer que diagnósticos mais sofisticados refletem um aumento real dos casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores de autismo, não conseguimos identificar nenhum fator genético claro”, indigna-se David Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis, e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a eficácia dos tratamentos. O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas algumas crianças.

A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”, trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill, na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus filhos a melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da criança com o passar dos anos.

Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afirma que os pais podem “combater o autismo de seus filhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”. Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não sobrepujou os tratamentos.”

SEM CAUSA, SEM CURA


AUMENTA MUITO A DEMANDA PARA O TRATAMENTO DE AUTISMO, pois mais crianças estão sendo diagnosticadas sob critérios cada vez mais amplos. No início dos anos 1970, quando o autismo era conhecido como “psicose infantil” – mistura de déficits sociais e deficiência mental –, considerava-se essa condição rara. Os pediatras recomendavam aos pais já aflitos de uma criança de 8 meses que, por exemplo, não fazia contato ocular que “dessem tempo ao tempo”.

Estudos indicavam, nos Estados Unidos, que cerca de 5 crianças em 10 mil apresentavam autismo, mas essa proporção aumentou quando os médicos redefiniram a condição como transtorno do espectro autista, que inclui sintomas mais leves. Com a publicação, em 1994, da versão atualizada da bíblia da psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, conhecido como DSM, incluíram-se a síndrome de Asperger – condição altamente incapacitante, popularizada pelo filme Rain Man – e um grupo abrangente, denominado “transtornos invasivos do desenvolvimento, sem outra especificação”. Os médicos também começaram a perceber os benefícios do diagnóstico e tratamento precoces. Em 2007, a Academia Americana de Pediatras recomendava a avaliação universal para autismo de todas as crianças entre 18 e 24 meses. Nessa época, a taxa de incidência de autismo disparou para 1 em 110 crianças.


É controverso dizer que diagnósticos mais sofisticados refletem um aumento real dos casos, pois pouco se sabe sobre as causas desse problema. “Na grande maioria dos portadores de autismo, não conseguimos identificar nenhum fator genético claro”, indigna-se David Amaral, diretor de pesquisa do Instituto Mind, ligado à University of California em Davis, e presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa do Autismo. Não há biomarcadores disponíveis para indicar as crianças sob risco nem para aferir a eficácia dos tratamentos. O conjunto mais substancial de pesquisa está relacionado às intervenções comportamentais destinadas a ensinar interação social e comunicação, que parecem ajudar de várias formas algumas crianças.

A falta de terapias empiricamente comprovadas torna mais fácil “vender a esperança”, trabalho dos vendedores de tratamentos não testados. “O que se tem é uma combinação de pseudociência e fraude”, considera Stephen Barrett, psiquiatra aposentado de Chapel Hill, na Carolina do Norte, que escreve sobre terapias médicas duvidosas em seu site Quackwatch.com. “Os pais estão sob grande estresse. E querem ajudar muito seus filhos a melhorar. Com o tempo, percebem uma recuperação, mas dão créditos às coisas erradas.” Esses ganhos não são decorrentes do “tratamento”, elucida o psiquiatra, mas do desenvolvimento da criança com o passar dos anos.

Proliferam na internet os vendedores de fórmulas mágicas. Um site afirma que os pais podem “combater o autismo de seus filhos” ao comprar um livro de US$ 299; outro veicula um vídeo de “uma menina autista que apresenta melhoras após receber injeções de células- tronco”. Muitos pais confessam obter informações da internet e, segundo o cientista associado do Centro de Estudo Infantil de Yale, Brian Reichow, “vários deles se baseiam em relatos fantasiosos, amigos ou outros parentes”. “Quando se trata de autismo, a pesquisa não sobrepujou os tratamentos.”


Ter esperança também não custa barato. Tratamentos alternativos, como a câmara hiperbárica de oxigênio (empregada para reverter a doença da descompressão), que eleva por algum tempo os níveis de oxigênio sanguíneo, custam US$ 100 por hora ou mais, com uma ou duas sessões de uma hora recomendadas diariamente. As terapias de integração sensorial – que podem variar de envolver a criança em cobertores ou acomodá-la em uma máquina de abraçar para brincar com massas de modelar aromatizadas – podem custar até US$ 200 a hora. Os prestadores desses serviços chegam a cobrar US$ 800 a hora por uma consulta e milhares a mais por vitaminas, suplementos e exames laboratoriais. Pais sob monitoramento contínuo da Rede Interativa de Autismo, ligada ao Instituto Kennedy Krieger de Baltimore, relatam gastar uma média de US$ 500 mensais. O único tratamento para autismo que provou ser algo eficaz – a terapia do comportamento – pode também ser o mais caro, pelo menos US$ 33 mil anuais. Embora esses custos geralmente sejam cobertos por programas governamentais de intervenção precoce e pelas redes de escolas públicas, pode ser longa a espera por serviços e avaliações gratuitos. Dito isso, os custos médicos e não médicos do autismo crescem a uma média de US$ 72 mil ao ano, de acordo com a Escola de Saúde Pública de Harvard.


POÇÕES MÁGICAS

A NÃO COMPROVAÇÃO DOS TRATAMENTOS se estende às medicações. Alguns
médicos prescrevem drogas aprovadas para outras doenças. Os compostos incluem Lupron – bloqueador da produção orgânica de testosterona (nos homens) e estrogênio (nas mulheres) –, usado para tratar câncer de próstata e “castrar quimicamente” estupradores. Os médicos também receitam Actos, medicamento utilizado na diabetes, e imunoglobulina G intravenosa, geralmente administrada em pacientes com leucemia e aids pediátrica. Todas as três medicações têm graves efeitos colaterais, e sua eficácia e segurança no combate ao autismo nunca foram testadas.


Outra terapia médica reconhecida que se transformou em “cura” para o autismo é a quelação, principal tratamento para intoxicação por chumbo. A droga converte chumbo, mercúrio e outros metais em compostos quimicamente inertes, que podem ser excretados pelo corpo via urina. Algumas pessoas acreditam que a exposição a esses metais, em particular o metilmercúrio (usado como conservante em vacinas), pode levar ao autismo, mesmo que nenhum estudo tenha demonstrado essa ligação. Na verdade, a taxa de diagnóstico de autismo continuou a crescer após a retirada do metilmercúrio da maioria das vacinas, em 2001. A quelação pode provocar insuficiência renal, especialmente na forma intravenosa, a mais indicada para o autismo. Em 2005, um menino autista de 5 anos morreu, na Pensilvânia, após receber a quelação intravenosa.

Em 2006, uma preocupação com esse quadro levou o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês) a anunciar planos para a realização de experimentos de quelação controlados aleatoriamente para autismo. Mas o Instituto engavetou o estudo em 2008, pois os pesquisadores não conseguiram encontrar “uma evidência clara de benefício direto”, e o tratamento colocava as crianças em um “risco superior ao mínimo”. Em parte, o receio dos cientistas do Instituto surgiu de estudos laboratoriais demonstrando problemas cognitivos em ratos que receberam a quelação e não apresentavam intoxicação por metais. “Não acho que alguém tinha muita fé nesse tratamento como a solução para um grande número de crianças”, adverte o diretor do NIMH, Thomas R. Insel. Seus pesquisadores, acrescenta, estão “mais interessados em testar medicamentos que apresentem uma base mecânica”.

Como era de esperar, o cancelamento do estudo alimentou acusações de que a Grande Ciência ignorava as terapias alternativas. Sempre se injetou mais dinheiro para descobrir novas curas que dão certo que para desacreditar aquelas que não funcionam. Até recentemente, a maior parte das investigações sobre autismo foi conduzida dentro dos campos das ciências sociais e da educação especial, áreas em que os orçamentos para pesquisa são modestos e os protocolos, muito diferentes dos empregados na medicina. Às vezes, há o envolvimento de somente uma criança no estudo. “Nem podemos chamar isso de evidência”, critica Margaret Maglione, diretora-associada do Centro Sul-californiano de Prática baseada em Evidência (ligada à corporação Rand).


Simplesmente não há uma pesquisa científica de ponta sobre tratamentos para autismo; quando existe, a quantidade de indivíduos estudados é, em geral, pequena. Em 2007, a Colaboração Cochrane, órgão independente avaliador da pesquisa médica, promoveu uma revisão das dietas livres de glúten e caseína, baseadas na premissa de que os compostos presentes na caseína, uma proteína láctea, e no glúten, uma proteína do trigo, interferem nos receptores cerebrais. A Cochrane identificou dois experimentos clínicos muito pequenos, um com 20 participantes e outro com 15. O primeiro estudo revelou certa redução nos sintomas de autismo; o segundo nada encontrou. Um novo exame aleatoriamente controlado em 14 crianças, publicado em maio deste ano por Susan Hyman – professora-associada de pediatria da Escola de Medicina e Odontologia da University of Rochester –, não identificou alterações nos padrões de atenção, sono e evacuação, nem no comportamento autista característico. “Paulatinamente, acumulam- se indícios de que (a dieta) não traz tantos benefícios quanto o esperado”, explica Susan E. Levy, pediatra do Hospital Infantil de Filadélfia, que fez a análise das evidências em conjunto com Hyman.

É a primeira vez que Levy sente na pele o nível de esforço necessário para mudar a opinião pública. A secretina tornou-se uma commodity em alta depois de um estudo, em 1998, apontar que três crianças apresentaram melhoras no contato visual, no grau de alerta e no uso significativo da linguagem, após receberem o hormônio durante um procedimento diagnóstico para complicações gastrintestinais. A imprensa, incluindo o Good Morning America e o Ladies’ Home Journal, divulgou relatos exultantes de pais que viram seus filhos transformados. O Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano e Saúde Infantil se apressou em financiar experimentos clínicos. Até maio de 2005, cinco estudos clínicos aleatórios não haviam conseguido revelar qualquer benefício, e o interesse pela secretina desapareceu. Passaram anos para pôr um ponto final nessa história, revela Levy, que auxiliou na condução de várias dessas experiências: “A pesquisa é muito trabalhosa e o progresso pode ser lento”. Os pais podem se sentir desamparados, acrescenta a pediatra, e “querem esgotar todas as alternativas possíveis”.

A boa notícia é que a maior demanda por terapias comprovadas está atraindo investimentos para pesquisa. Em 2001, quando se realizou o primeiro Encontro Internacional para Pesquisa em Autismo, não havia mais que 250 participantes. Em maio último, na Filadélfia, 1,7 mil pesquisadores, estudantes de graduação e defensores dos interesses de pais participaram do congresso. Novas tecnologias e uma ampliação da consciência da população ajudaram o autismo a se tornar um objeto de pesquisa mais atrativo. E, em meados dos anos 1990, os pais começaram a adotar sofisticadas táticas de lobby e arrecadação de fundos, empregadas para aids e câncer de mama, recorrendo a fundações e ao governo federal. Como resultado, na última década o financiamento para pesquisa em autismo nos Estados Unidos subiu 15% ao ano, com ênfase nas aplicações clínicas. Em 2009, os Institutos Nacionais de Saúde alocaram US$ 132 milhões em recursos para o trabalho com autismo, com um adicional de US$ 64 milhões decorrentes da Lei para a Recuperação e Reinvestimento Americanos [American Recovery and Reinvestiment Act]; boa parte dessa verba é destinada ao desenvolvimento de protocolos de pacientes e outras ferramentas investigativas. Em 2008, as fundações privadas, incluindo a Fundação Simons e a Autism Speaks, contribuíram com US$ 79 milhões. Segundo a Autism Speaks, investiram-se aproximadamente 27% de todos os recursos em tratamentos investigativos; 29%, nas causas; 24%, em biologia básica; 9%, em diagnóstico.


Essas buscas recentes reúnem esforços para descobrir se a intervenção precoce com terapias do comportamento – que ensinam habilidades sociais por meio do reforço e recompensa – pode ser usada de maneira bem-sucedida em crianças muito novas, quando o cérebro é mais flexível ao aprendizado da linguagem e da interação social. Um estudo conduzido por várias universidades, lançado on-line em novembro de 2009, revelou ganhos substanciais nas habilidades linguísticas, na realização de atividades cotidianas e no QI (17,6 pontos, em comparação com 7 pontos no grupo-controle) de crianças submetidas à terapia comportamental por 31 horas semanais, durante dois anos, começando quando tinham entre 18 e 30 meses. Sete das 24 crianças no grupo de tratamento melhoraram tanto que seu diagnóstico evoluiu de autismo para “sem outra especificação”, a forma mais leve; somente uma criança das 24 expostas a outras intervenções recebeu um diagnóstico mais brando. A Rede de Tratamento de Autismo criou um registro de mais de 2,3 mil crianças, a fi m de pesquisar tratamentos para as complicações médicas habitualmente sofridas por autistas (em particular problemas gastrintestinais e dificuldades no sono), e planeja desenvolver guias passíveis de ser usados por pediatras nos Estados Unidos.


POR UMA CIÊNCIA REAL DO AUTISMO NO AFÃ DE ENCONTRAR EDICAMENTOS, incluindo aqueles usados sem outros distúrbios neurológicos, obstáculos mais difíceis devem ser vencidos. As intervenções médicas até agora foram “um pouco desanimadoras”, lamenta Insel. Antidepressivos, por exemplo, que estimulam a produção cerebral de serotonina, um neurotransmissor, são muito eficazes em reduzir os movimentos de mão repetidos nos transtornos obsessivo compulsivos, mas, em agosto, uma revisão patrocinada pela Colaboração Cochrane revelou que essas drogas não aliviaram os movimentos repetidos típicos do autismo. Entre as novas candidatas estão uma medicação que desencadeia o sono de movimento rápido dos olhos, ausente na criança autista, e a ocitocina, um hormônio indutor do parto e da lactação que, supostamente, estimularia os laços entre mãe e filho. Em fevereiro, estudo publicado pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica francês descobriu que, após inalar ocitocina, 13 adolescentes portadores de Asperger apresentavam um melhor desempenho na identificação de imagens faciais. Mas, entre as evidências encontradas em um único estudo e a noção de que essa droga poderia aliviar os sintomas mais devastadores do autismo, há uma enorme distância. Nas palavras de Insel, “temos muito trabalho a fazer”.
E esse trabalho está começando a ser realizado. Em junho, uma associação de pesquisadores analisou os genes de 996 crianças da primeira à quinta série escolar e descobriu novas e raras variações genéticas em autistas. Muitas dessas imperfeições afetam genes que controlam a comunicação através das sinapses – os pontos de contato entre neurônios no cérebro, foco central das investigações sobre autismo. “As presentes mutações são diferentes [entre os indivíduos], mas há algumas vias biológicas em comum”, segundo Daniel Geschwind, um dos coordenadores dessa pesquisa e professor de neurologia e psiquiatria da Escola David Geff en de Medicina da UCLA. Geschwind é também fundador do Autism Genetic Resource Exchange, um banco de dados utilizado no estudo com amostras de DNA de mais de 1,2 mil famílias com casos de autismo. Os exames para confirmar um culpado – ou comprovar tratamentos que possam corrigir as variações – ainda estão longe de ocorrer.

Por enquanto, os pais devem cada vez mais optar por não fazer experiências em seus filhos, isso se conseguirem dormir tranquilos à noite. Quando seu filho, Nicholas, foi diagnosticado aos 2 anos, Michael e Alison Giangregorio, moradores de Merrick (estado de Nova York), decidiram usar somente tratamentos com bases científicas, como a análise comportamental aplicada. “É muito difícil e desafiador ajudar meu filho”, desabafa Michael. “Não estava disposto a tentar terapias experimentais. Era meu dever aplicar somente aquilo em que médicos e pesquisadores despenderam tempo para comprovar o funcionamento e provar que não causaria nenhum dano adicional.” Hoje, Nicholas tem 9 anos e, embora permaneça não verbal, a terapia do comportamento o ensinou a usar sinais físicos para indicar quando precisa ir ao banheiro. Agora, ele pode lavar suas mãos, sentar-se à mesa em um restaurante e caminhar pelos corredores de uma farmácia sem ficar batendo palmas. “Obviamente, o objetivo da minha e da maioria das famílias é levar a vida mais normal possível”, relata Michael, executivo de Wall Street, de 45 anos. “Normal é sair para jantar com a família.”