Esta foi uma entrevista dada ao "Click - Um olhar curioso sobre o mundo" e foi publicada no "Pirituba Acontece". A entrevista foi concedida ao querido Samuel Lopes Parmegiani.
Samuel e equipe, agradeço a vocês em nome de uma grande comunidade de familiares e de autistas pela oportunidade.
Segue entrevista na íntegra:
Click: Como se dá o diagnóstico de uma
pessoa autista?
Anita Brito: É um trabalho que deve ser feito em
conjunto, pois o autismo não sai em exames laboratoriais ou de imagem. Caso a
família, ou pessoas próximas, percebam que há algo de diferente com a criança, um
neurologista, deve ser procurado. Para alguns casos, é necessário a avaliação
de toda uma equipe para que o diagnóstico seja preciso. É necessário que a
pessoa seja avaliada por um neurologista, fonoaudióloga, e, às vezes, psicólogo
e psiquiatra. Os casos variam muito, logo, a forma de diagnosticar também
poderá variar.
Click: Qual foi a sua reação ao
descobrir que tinha um filho com autismo?
Anita Brito: Fiquei aliviada, pois sabia que ele
tinha algo, mas os médicos insistiam em dizer que ele não tinha nada. Porém,
ele não se comunicava, não brincava com outras crianças, não falava, era extremamente
quieto, não gostava de sair de casa ou experimentar novos alimentos, não
mantinha contato visual e não gostava de brinquedos como as outras crianças.
Ele adorava ventilador e máquina de lavar (muitos autistas adoram objetos
giratórios). Então, quando veio o diagnóstico, fiquei aliviada porque sabia o
porque de seu comportamento. A luta só foi saber como tratar e encontrar
profissionais adequados.
Click: Quais foram as maiores
dificuldades ao longo dos anos? Como elas foram superadas?
Anita Brito: A maior dificuldade foi inserí-lo na
sociedade, pois a maior parte dos autistas preferem o isolamento e evitam o
contato com o desconhecido, assim como também a sociedade os rejeita. Os
autistas preferem a segurança do lar, mas com muita amor, pesquisa e paciência
começamos a inserí-lo na sociedade aos poucos. Esse processo é contínuo e dura até
hoje. Todos os dias conversamos com ele sobre assuntos que o interessem e
falamos, brevemente, sobre algum assunto que envolva a sociedade em geral.
Fazemos muitas barganhas também. Dizemos a ele que se ele sair conosco para tal
lugar que o levaremos a um lugar que ele gosta, ou comprar algo que ele queira.
Mas os elogios são a principal fonte de barganha com ele. O Nicolas adora ser
elogiado, então dizemos a ele que se ele sair conosco que todos saberão como
ele é lindo e etc. Mas não saímos com muita frequência para que ele não sofra.
Tentamos sempre encontrar um equilíbrio.
Click: O que a levou a começar um blog e
mais tarde, escrever o livro?
Anita Brito: Comecei a escrever o Blog porque eu
queria contar ao mundo como estávamos felizes e compartilhar nossas conquistas
para que outras famílias também começassem a estimular seus filhos. A ideia do
livro veio porque várias pessoas me diziam que adoraram o blog, mas que não
tinham tempo de ficar tanto tempo conectado ou que não conseguiam ler no
computador. O sucesso do blog nos fez crer que um livro atingiria mais pessoas.
Com o lançamento do livro, passamos a escrever tudo o que se passa de
interessante na vida do Nicolas até hoje. Escrevi o livro em menos de um ano e
lancei sem editora. Em 09 meses, foram cerca de 1.800 livros vendidos.
Click: Por que ele se chama "Meu
filho ERA autista"?
Anita Brito: O nome do livro é "Meu filho ERA
autista – a história real de um garoto que nasceu autista e que aprendeu a
viver em dois mundos". Escolhemos esse nome porque foi isso que eu disse
quando peguei o laudo: “Viu? Eu disse que meu filho ERA autista!” É por isso
que o ERA está em letras garrafais. O livro fala de superação, e não de cura.
Outro motivo é tirar aquela impressão do esteriótipo de autista que deve ficar
trancado em casa e que é incapaz de se sociabilizar. Eu não inventei a roda.
Várias mães que têm estimulado seus filhos autistas, notaram uma melhora
incrível em seu desenvolvimento. E quanto mais cedo tiver o diagnóstico e
começar os estímulos, melhor o desenvolvimento.
Click: Recentemente, num discurso, a
presidente Dilma, foi vaiada quando usou o termo "portador de
deficiência". Na sua opinião, o termo é errado?
Anita Brito: Se pegarmos os sinônimos de portar,
entre eles acharemos “comportar-se”. Meu filho tem comportamentos que poderíamos
chamar, se comparado aos neurotípico, deficiente, pois não se adequam ao padrão
de comportamento da sociedade em que vive. Serei bem honesta. O que quer que eu
responda, terá alguém para criticar. A etimologia, nesses casos, me cansa.
Estamos em tempos politicamente corretos com políticas incorretas. De que
adianta chamar de deficiente, diferente, portador de deficiência, ou qualquer
outro nome se a deficiência maior está em nossa capacidade de respeitar o
próximo? Sempre terá alguém para analisar o vocabulário e dizer que agora não é
mais assim. A favela virou comunidade. Mas, o nome trouxe mais dignidade para
os moradores? Suas vidas financeiras melhoraram com a mudança do nome? O certo é
Presidente ou Presidenta? Não acredito em senso comum, mas acredito em bom
senso e acho que seja sensato dizer que os critérios usados em uma determinada
época não devam ser sedimentados, pois não há verdade absoluta em uma sociedade
dita pensante. Eu não tenho medo de dizer que meu filho É autista e não
considero que eu o esteja rotulando. Creio que eu não tenha motivo para
esconder o porque de seu comportamento ser diferente do que a sociedade espera.
O “termo certo” não trará melhorias para vida de ninguém se não houver
políticas sérias, que vão além de “acertar” o léxico.
Click: Como o autismo é encarado pela
sociedade hoje? Ainda existe muito preconceito?
Anita Brito: Infelizmente, a sociedade é
preconceituosa. Basta viver em sociedade para ser julgado, sofrer bullying e
agora ainda temos o cyberbullying, onde as pessoas se atacam nas redes sociais
e agem como se fosse terra de ninguém. Enquanto a sociedade não entender que
ser autista é apenas uma forma de ser, haverá preconceito. E o pior, o
preconceito que vem daqueles que rodeiam os autistas seja por professores que optam
por não incluir, porque acham que os autistas são intransponíveis. Ou por
familiares, que optam por não tentar a comunicação porque acham que jamais irá
adiantar. Ou ainda aquele “próximo”, que julga seu filho como mal-educado e
escandaloso e diz “que uma boa surra” o curaria rapidinho. Sim, o preconceito é
grande em todas as áreas e os autistas são uns dos mais atingidos com isso.
Click: E a mídia? Que papel ela tem
assumido na luta pela conscientização do autismo?
Anita Brito: Ainda está longe de ser o ideal, pois
o autismo é uma síndrome complexa. E o que é importante para mídia, ao menos para
mim, também é complexo. Eu, particularmente, entendo mais o autismo do que entendo
a mídia. Precisaríamos de mais e mais reportagens sobre o assunto. Tudo o que é
falado na mídia constantemente acaba virando modismo, mas se ninguém nunca
fala, não há o interesse da sociedade. Este ano de 2012, depois do lançamento
do livro, já fui chamada para várias entrevistas em televisão, revistas e
jornais, e sempre tem alguém que ainda se depara com a “novidade” do autismo ou
dizendo que meu filho “tem uma doença rara”. E ainda há a desinformação, pois
já tivemos sérios incidentes na televisão envolvendo o autismo. Houve um canal
de televisão que teve que se retratar com uma série de reportagens sobre o autismo
após uma “brincadeirinha” infame envolvendo o termo autista. Este ano, tivemos
um outro incidente, mas a rede de televisão, até agora, não quis se retratar.
Apenas mandou e-mails para as pessoas que se manifestaram dizendo que não houve
nenhum incidente. Eu sou mãe de autista e, honestamente, assisti à famigerada
entrevista mais de uma vez e é só uma entrevista mal conduzida. Não só eu, mas
várias pessoas não viram motivo para alvoroço. Porém, alguns programas são
feitos para a massa e, se a comunicação falha, deve haver retratação sim, pois
ofende aquele que entendeu de maneria ofensiva. Eu não digo que eu estou certa
ou errada, mas tenho certeza que mensagens chegam a um interlocutor de maneira
diferente que chega ao outro. Nenhuma mensagem é tão perfeita a ponto de
atingir a todos da mesma maneira e não deixar margem para alguém discordar. Nem
Jesus Cristo conseguiu deixar para nós uma mensagem única, pois há os que discordam,
os que seguem cegamente e os que nem acreditam que ele tenha existido. Tratar o
assunto com descaso, é um desrespeito com o profissional exposto, com os pais,
com os autistas e com a sociedade.
Click: O governo acabou de aprovar a lei
que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista. Como essa lei melhora a vida dos autistas?
Anita Brito: Agora que acabou a briga para
instituir a lei, começa a briga para fazer valer a lei. A partir de agora, a pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos
os efeitos legais. O governo terá que trabalhar afim de garantir um diagnóstico
precoce, pois entende-se que quanto mais cedo iniciar-se o tratamento, mais
qualidade de vida o autista, e seus familiares, poderá conseguir. Terá que
fornecer acompanhamento e avaliação, bem como
atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes
necessários. A lei também prevê a inserção do autista no mercado de trabalho e
direito à educação. Nenhuma escola poderá negar vaga ao aluno autista. Caso
aconteça, haverá multa de 03 a 20 salários mínimos e, em caso de reincidência,
o gestor escolar poderá perder o cargo. Há ainda outras melhorias
significativas que, certamente, ajudará aos que trabalham com autismo, aos
familiares e aos autistas. (Segue o link com a lei: http://meufilhoeraautista.blogspot.com.br/2012/12/lei-que-protege-os-direitos-dos.html)
Click: O que mais ainda precisa ser
feito para realmente garantir uma vida normal a essas pessoas?
Anita Brito: Fim ao preconceito e fazer valer as
leis para dá-los o que é de direito. Todo autista é capaz. Há alguns casos que
são mais comprometidos que outros, mas todos têm capacidades, assim como os
neurotípicos, autistas têm talentos diversos. Não devemos, jamais, pensar no
que eles são incapazes, mas sim, destacar suas habilidades. Eles são
fantásticos dentro de seus interesses específicos e às vezes, nos surpreendem
fora de sua zona de conforto. Entendimento, fim ao preconceito, amor,
persistência, amor, aceitação, amor… “Tudo só é 100% possível, se você tentar
100%”.
Click: Por que a cor adotada para a
conscientização do autismo é azul?
Anita Brito: Porque é uma síndrome que ainda ataca
mais meninos que meninas. Existe uma média de 04 meninos autistas para cada
menina.
Click: O que mudou no Brasil desde que
você soube do autismo do seu filho até hoje? E que futuro você consegue
enxergar para os autistas no país?
Anita Brito: Descobri que o Nicolas era autista há
mais de 10 anos, então, ainda era meio que uma novidade no Brasil e não tinha
contato com outras mães e com profissionais especializados. Quanto a mim,
certamente sou uma pessoa melhor. Aprendi com meu anjo a ser mais tolerante e a
ser mais compreensiva. O autismo aguçou ainda mais uma força que há dentro de
mim e me trouxe equilíbrio. Aprendi a perdoar, a olhar tudo da melhor forma
possível. Sempre fui muito realista e sem muita imaginação, mas com o advento
autismo, continuei realista, porém com um olhar mais sensível a tudo. Eu
acredito que seu eu for uma pessoa boa na Terra, poderei encontrar-me com meu
anjo no céu. Apesar de minha religião, não tenho certeza do que está do outro
lado e dos mistérios que envolvem a vida e a morte. Então, não quero arriscar. E
quanto ao futuro dos autistas, só me resta acreditar… E eu creio que o futuro
destas pessoas será brilhante, porque eles já o são!
Links das publicações:
Click: http://www.clickumolhar.com/2013/01/mesmo-sendo-dois-milhoes-no-pais.html
Pirituba Acontece: http://issuu.com/clickumolhar/docs/17_jornal_internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário