quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Eu "adoro" turbulência, terremoto...

Como a maioria de vocês já sabem, Nicolas e eu viajamos o ano inteiro dando palestras em vários lugares e vamos para todos os cantos do Brasil. E, como o Brasil é um país continental, certos lugares só conseguimos chegar de avião. Às vezes, temos que fazer escalas e pegamos dois aviões para ir e dois para voltar.

A primeira vez que o Nicolas pegou avião foi a passeio para o Itaqui, no Rio Grande do Sul. Fomos até Porto Alegre e de lá pegamos um ônibus. A viagem foi cansativa (umas 08 horas de ônibus) mas foi muito tranquila e sem problemas. Como a comunicação verbal dele era sofrível, me limitei a dizer que o avião voava e que seria muito legal. Mas, com tantas viagens que fazemos hoje em dia, chegou o dia de enfrentarmos turbulência. Imaginem meu coração quando a luz de apertar os cintos acendeu e o piloto avisou. Os comissários de bordo correram para colocar os cintos também e o Nicolas arregalou os olhos e perguntou:
- O que está acontecendo, mamãe?
E eu com um sorriso enorme no rosto e uma cara de alegria tremenda, mas orando por dentro e desejando que fosse bem passageiro, respondi com a voz bem extasiada:
- Eba! Turbulência!!! Adoro, meu amor!
Ele me perguntou confuso, porque minha alegria não condizia com os trancos do avião:
- Turbulência? O que é isso?
E eu continuei sorrindo e comemorando:
- É muito legal, filho! Parece que o avião está passando em uma estada esburacada quando, na verdade, está voando. Não é fantástico isso? Onde já se viu ter buracos no céu? Não faz sentido algum! Essa é a mágica do negócio, entendeu?
Enquanto eu falava, a turbulência diminui e eu senti que ele soltou o corpo, todo tenso, no assento do avião. A sensação de alívio foi nítida! A expressão no rosto dele não deixava dúvidas. E eu, com a maior cara de decepção disse:
- Ahhhhhh, que pena que acabou... Eu adoro quando acontece isso. Pena que acontece pouco. É muito emocionante e só quem é muito corajoso e especial sente a sensação boa.
Ele logo falou:
- Eu senti uma sensação boa, mamãe! - e me olhou procurando aprovação em minha reação. Respondi:
- Claro, meu amor! Eu não tenho dúvidas disso! Acho que você foi o que sentiu a melhor sensação aqui porque você é o mais especial nesse avião. Talvez você tenha se assustado um pouco, mas é porque foi a primeira vez, depois você acostuma e fica cada vez mais gostoso.
Senti que ele ficou pensativo. Definitivamente aquela não era uma sensação gostosa, mas se eu estava falando, a pessoa que ele mais confia, é porque deve ser verdade.
Depois passamos por outras turbulências e a reação dele é bem engraçada. Ele pega na minha mão e começa a fazer cara de "Eba, que legal!", mas dá para sentir a mão dele geladinha e o rosto delata o medinho que ele ainda sente.

Uma vez, ficamos no aeroporto presos por causa da neblina e foi difícil fazê-lo entender que não poderíamos voar na hora marcada. Ficamos das 05:50 da manhã até às 11:30. Nesse meio tempo, tive que fazer de tudo para conter suas crises. Sentia que ele iria explodir a qualquer momento, mas fui inventando tudo para distraí-lo. Como na França nosso horário fica com 05 horas de distância em alguns meses do ano (sendo 05 horas a mais para eles), começamos a trocar Snapchats com o Humbert, o irmão francês que ele sempre fala nas palestras. Foram mais de não sei quantas caretas, risadas etc., até distraí-lo bastante. Enquanto isso, fui dizendo a ele:
- Ainda bem que estamos presos aqui, pelo menos o avião não vai bater no céu.
- Mas eu estou com muita saudade de casa e isso não é justo.
- Ok, filho. Quer que eu fale com eles para o avião sair agora só porque você está com saudade de casa?
- Sim! - respondeu achando que era verdade e que eu teria esse poder.
- Tá bom. Eu vou falar com eles e dizer que você está ansioso para ir embora. Espera aqui só um pouquinho. Fui até uma atendente e perguntei a ela, sem o Nicolas ouvir, se ela tinha ideia do horário de liberação. Ela disse não ter nenhuma ideia porque eram problemas meteorológicos e estava fora do alcance deles.
Voltei para o Nicolas e disse:
- Prontinho, filho. Falei com ela e ela já está indo reservar um lugar para nós dois em um avião. Mas ninguém mais vai embarcar, só a gente. Você sabe, né. Ninguém quer morrer, mas já que você quer tentar... Ai, meu Deus. Ajuda a gente por favor. E se o avião cair, leve nossa alma.
Peguei minhas coisas e ele, com os olhos assustados, segurou minha mão, me puxou de volta e perguntou:
- Mas o avião vai cair?
- Claro, amor! Não tem como enxergar nada, nadinha de nada. É subir e bater em algum helicóptero, pássaro, prédio. Sei lá! Tem tanta coisa pro avião bater. Vamos?
- Não, não, não, mamãe. Acho melhor a gente esperar mesmo.
- Tem certeza filho? A gente se arrisca. Se o avião cair...
- Não, não. Eu fico aqui te protegendo.
- Obrigada, meu amor. Então eu vou falar pra ela cancelar nosso voo.
Ele respirou aliviado. Fui até a mesma atendente e perguntei onde poderíamos tomar um café. Ela me orientou apontando e explicando, e eu voltei para perto dele.
- O que ela disse? - me perguntou com os olhos arregalados.
- Ela deu graças a Deus e me mostrou que ainda ontem um avião caiu por causa disso. Ela falou que você foi muito inteligente em desistir.
- Muito obrigado! - ele sempre agradece de uma forma linda, que fica difícil de descrever. Mas ele diz "muito obrigado" enquanto dá um sorrisinho lindo e levanta um ombro para perto do rosto.

Recentemente, fomos para Montes Claros, em Minas Gerais, e conversando com uma pessoa de lá, ela me disse que lá era conhecido por ter pequenos terremotos. Eu arregalei os olhos e perguntei:
- O quê?
- Sim, mas é coisa rápida. Eu já até caí uma vez, mas dura alguns segundos e passa.
- E qual alcance na escala Richter?
- Ah, já teve um que deu 03 na escala.
Fui até o Nicolas, que estava andando pra lá e pra cá em um cantinho que ele achou, peguei as duas mãos dele e comecei a falar e comemorar ao mesmo tempo:
- Filho do céu, você não sabe que legal que eu fiquei sabendo agora!
- O quê? - me perguntou sorrindo e esperando "bela" surpresa.
- Olha isso, aqui é a ÚNICA cidade do Brasil que tem mini-terremotos! Não é legal?
- O QUÊ?!? TERREMOTOS?
- Não, meu amor. MINI-terremotos. É muito legal porque não é igual aos outros lugares do mundo, que tudo cai. Aqui é diferente e divertido. A terra treme um pouquinho por 03 segundos e a gente tem e sensação de estar voando! Não é da hora? Olha a cara de todo mundo aqui feliz. As pessoas não vêem a hora de ter terremoto para todo mundo ter essa sensação.
- Ah, que legal... Vai ter um hoje?
- Puxa amor, hoje já teve. Mas não sei se vai ter mais esse final de semana. Tomara que sim, né! - falei rindo e celebrando.

E assim vamos fazendo com ele. Se o avião cair, ele nem vai ter tempo de saber seu eu "maquiei" a verdade sobre as turbulências (que nem sempre são as causas de queda). Se tiver um terremoto muito forte em algum lugar, vou dizer que era diferente do "mini-terremoto" etc. Só quero que a vida dele seja mais fácil em alguns âmbitos. E sabe de uma coisa? A minha também fica mais fácil. Eu fico mais ligada a ele, tenho mais tempo para estimulá-lo, ensino a como ser mais otimista e realista que pessimista.

Tem sido uma grande aventura ao lado do meu filho. Já passamos por Turbulências e Terremotos muito piores em nossas vidas sendo agredidos de forma clara ou velada, rejeitados, criticados de forma injusta, sofrendo preconceitos, olhares estranhos... Não poderei salvá-lo de tudo e nem defendê-lo para sempre, mas quero que, enquanto estivermos juntos, vivos, que tudo seja melhor para ele, pois meu filho merece o melhor!