domingo, 13 de novembro de 2016

Metáforas e expressões! É gostoso rir com ele...

Fomos convidados a dar uma palestra em Santos, SP. Ao saírmos de casa (moramos na grande São Paulo), perguntei à nossa companheira de causa/motorista da vez/agora amiga como estava o tempo em Santos. Ela me disse que estava quente. Como eu havia visto na previsão que iria chover e esfriar um pouco, perguntei a ela e ao marido:
http://giphy.com/gifs/laughing-gif-cute-minions-Fn7q3cMgPZmqk
- Sério? Será que vai haver ressaca?
O Nicolas olhou para mim espantado e perguntou?
- Como assim? As pessoas na palestra estarão de ressaca?

Tanto o Nicolas, quanto nós, começamos a rir! Mas ele ainda esperava uma explicação sobre o uso da palavra "ressaca". Eu perguntei a ele se ele já havia se esquecido que eu já tinha explicado a ele o que era ressaca. Ele pensou por uns dois segundos e disse:
- Ahhhhh, agora acho que lembrei! É quando o mar fica irritado (ele quis dizer "bravo") e passa da areia e vai até a rua.

Eu o parabenizei e disse que não foi bem assim que expliquei, mas que a explicação dele já estava ótima!

Mas tem sido sempre assim com ele e, há muito tempo, resolvemos que iríamos nos divertir com ele. Não rir DELE, mas rir COM ELE. 

Quando ele começou a se comunicar, por volta dos 11, já quase 12 anos, ele apareceu com várias expressões e desentendimentos com nossas expressões. Uma vez, ele me disse:
- Oh, caramba! Vocês neurotípicos bem que poderiam facilitar nossas vidas, né!!!

E fez uma cara de "assim fica difícil", que não deu outra: caímos na risada. E ele, junto!

Nicolas tirando Snapchat e brincando com
os amigos na escola em dia de trote.
Percebi que ele sempre soube o que estávamos falando, desde que quando ele pequeno e sem muita interação conosco. E, quando ele resolveu se comunicar verbalmente, vi que ele tinha muita dificuldade para expressar o que queria e para entender o que falávamos. Conversei com meu marido que seria mais fácil mostrarmos a ele que era legal "os tropeços de comunicação dele" através do humor, pois eu tinha medo de ele ficar frustrado e parar de falar novamente. Foi nossa saída para evitar algo que era imprevisível e, para nós, deu MUITO certo! Ele se diverte com os erros, pede para corrigir-mos os erros, pois ele disse que quer sair com os amigos dele e futura esposa sem ter problemas de comunicação.

Talvez, ele tenha "tropeços de comunicação" para a vida inteira, mas, com certeza absoluta, ele não irá sofrer com isso. Primeiro, por já saber que as metáforas e expressões fazem parte de nossas vidas. Segundo, por saber rir de si mesmo, sem ser o "idiota" da turma. Ele sabe quem ele é. Ele se conhece e reconhece em sua plenitude. Ele sabe que o autismo é só mais uma das brilhantes características que ele tem. E, na boa, ver esse sorriso me encanta. Não importa do que ele está rindo, mas que ele esteja sempre feliz.

Foto de 2011, por Luciana Freitas.





segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O Enem

Por que o Nicolas não pode prestar o Enem?

O Governo tem feito de tudo para quebrar as barreiras atitudinais. Isso, é um grande passo para nós brasileiros e não podemos deixar que se pareça com um favor que estão nos fazendo. É nosso direito!

Quem conhece o Nicolas dando palestra já sabe que muito do que ele fala ali no palco é fruto de muito trabalho de estimulação com ele e o fato de ele ter o que chamamos de “ecolalia funcional”. Quando ele fala das coisas que ele gosta, ele usa falas de Youtubers que ele adapta para o que ele quer apresentar. Isso dá a impressão de ele saber se comunicar muito bem! E realmente ele se comunica. Porém, quando ele é pego de surpresa em assuntos que ele não tenha se preparado, ele desenvolve pouco e me pede ajuda para entender o que o outro pergunta. Claro que isso não é em 100% das vezes, mas na maioria das vezes que alguém tenta falar com ele assuntos que ele não esteja esperando. O que quase ninguém sabe é que o Nicolas tem rebaixamento intelectual em algumas áreas. Às vezes, ele precisa de mais de um dia para entender algo que lhe foi explicado. Já situações do dia a dia, ele processa melhor de uns anos para cá. Mas ainda temos que ter paciência.

Sobre o Enem, apesar de toda quebra de barreiras atitudinais (ledor, ajuda às pessoas com deficiências físicas etc.), falta um ponto importante: Quantas vagas são oferecidas nas universidades por ano e quantos alunos concorrem a essas vagas? Outro ponto é: Existe uma prova adaptada para pessoas que apresentem as mesmas dificuldades do Nicolas? E ainda: O assunto que cai na prova das outras pessoas é o mesmo que cai na prova para as pessoas com necessidades especiais de avaliação? 

Com essa concorrência desleal, pois deveria haver ensino de qualidade a todos, sobram cursos em faculdades pagas para aqueles que não conseguiram passar nas estaduais e federais. Claro que temos as faculdades pagas de peso no Brasil, mas, novamente, com um vestibular bem rigoroso para selecionar “os melhores”.

Sim, o Nicolas vai se formar este ano e a inclusão para ele na escola foi FANTÁSTICA! Meu Deus, como ele aprendeu. Ele aprendeu a ler e a escrever, aprendeu a ir a um supermercado, aprendeu as diferenças entre as pessoas e aprendeu que existe física, química, biologia, geografia, história etc. Aprendeu, também, princípios básicos destas matérias. Aprendeu sobre as guerras, sobre Filosofia e Sociologia. Aprendeu que a matemática vai além das quatro operações básicas (mas não aprendeu as equações). Aprendeu conceitos de Mas ele não consegue passar em um concurso (Enem, vestibular, concurso público) que exija conhecimentos aprofundados destas matérias. Ou seja, existe a quebra das barreiras atitudinais, mas o sol não vai brilhar igual para todos. Quem tiver alguma deficiência, mas que seu intelecto seja totalmente preservado e capaz de acertar no vestibular tanto quanto uma pessoa que não tenha nenhuma deficiência, tem chances de entrar na faculdade que quiser. Para alguns Nicolas por aí, sobra o que der.

Tem faculdades pagas no Brasil que se eu chegar hoje com o RG do Nicolas e pagar as mensalidades, ele pode fazer qualquer curso. Já dei aula em faculdade e já vi coisas que nem dá pra relatar aqui. Eles ainda não têm sistema de inclusão dentro dos cursos, então, o aluno fica a mercê de ser empurrado a passar e pega um diploma de consolação. Isso, quando eles conseguem terminar os cursos e passam pelos desafios que virão. Tem tanto caso pra contar para vocês... Um deles, é uma aluna com deficiência intelectual (bem mais grave que a do Nicolas) e que a mãe colocou na faculdade para que ela se sentisse alguém. Em uma noite, após todos terem ido para o bar, três caras da faculdade transaram com ela. No outro dia, estavam com medo de serem descobertos, mas os outros fizeram um pacto de não contar e ficou por isso mesmo. Quem me contou isso, anos depois do ocorrido, ficou sabendo no dia seguinte, na faculdade, do que havia acontecido. Hoje, mais adulto, ele pensa o quanto isso foi errado, mas na época também não denunciou ninguém. Será que é nesse meio que quero meu filho?

E voltamos à questão: Por que o Nicolas deve saber tudo de todas as matérias se ele só queria fazer faculdade de fotografia?


Talvez, eu tenha que prepará-lo para entrar em uma boa faculdade e ter que ter mais de dois mil reais mensais em mensalidade e materiais. E como ter esse dinheiro todo tendo que trabalhar menos para cuidar dele?

São questões que demorarão a serem respondidas. O Nicolas tem deficiência intelectual em algumas áreas, mas é muito inteligente em outras. Dentro do que ele gosta e sabe, ele seria capaz de fazer faculdade na USP! Mas, o critério de seleção não quer saber se ele é bom no que escolheu, e sim se ele é capaz de ser melhor que milhares de outros em áreas que ele jamais irá usar.

Apesar de todo esse processo, o Nicolas está bem com a área que escolheu. Nós estamos ajudando muito para que ele consiga alcançar ser o que quiser ser. Como ele mesmo diz no livro dele, “eu serei TUDO O QUE POSSO SER!”

E nós acreditamos em você, filho.

O Enem não define quem você é, desde que você já saiba quem você é. Fora isso, estes sistemas de vestibular e concursos sempre servirão para dizer que você não é tão bom quanto o outro. Para alguns, isso não afeta em nada. Mas, para muitos, isso é motivo de tristeza, depressão, sentimento de culpa, medo da cobrança da família, da sociedade etc. 


OBS: O Nicolas não foi impedido de prestar o Enem por ninguém, mas o impedimento é velado. O sistema educacional ainda tem muito o que melhorar. E tenho certeza que vai. Assim como ele, milhares de pessoas que vivem em situação de miséria em áreas desfavorecidas do Brasil não têm as mesmas chances de quem tem acesso a ensino de qualidade e que faz uma seleção nada natural. E é essa a maneira de seleção que coloca gênios, mas que também tira gênios das melhores faculdades todos os dias. Os que estão lá por mérito próprio, meus parabéns de todo o coração. Eu fiz PUC, Mackenzie e USP e foi por mérito próprio. Mas acredito que ensino de qualidade deveria ser uma obrigação do governo para com todos os cidadãos. 

OBS2: Fico feliz com os avanços que já tivemos. Creio que irá melhorar ainda mais e será bom para todos. 

Links importantes: 

http://enem.inep.gov.br/atendimento-especializado-especifico.html

http://portal.inep.gov.br/rss_enem/-/asset_publisher/oV0H/content/id/101146

http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/10/enem-garante-acessibilidade-ou-atendimento-especifico-a-50-mil-candidatos