domingo, 27 de março de 2011

CAPÍTULO 12

Ficamos muito confusos quando o Nicolas voltou do hospital. Eu fiquei com ele o tempo todo e tentava conversar com ele o tempo todo, mas ele tinha um olhar distante e respondia bem pouco com o balançar da cabeça. Notei que ele ficava com um aspecto de “saco cheio” quando eu insistia muito em falar com ele e, por muitas vezes, ele virava para o outro lado e colocava o dedo na boca.
O meu marido achou melhor eu dar um tempo para ele, pois muito provavelmente ele tinha sofrido algum trauma da dor que ele sentiu. Concordei com ele, mas ao mesmo tempo meu coração estava em frangalhos porque eu comecei a me lembrar sobre coisas que eu havia lido sobre o autismo. Uma delas é a fase que geralmente surge na criança, por volta dos 03 anos / 03 ½ anos e o Nicolas estava exatamente com 03 anos e 08 meses. Voltei a pesquisar o máximo que pude sobre autismo e tudo me mostrava uma grande batalha mais a frente.
Acredito que este primeiro mês após o Nicolas ter saído do hospital foi um dos momentos mais difíceis de nossas vidas. Nenhum sofrimento que eu tive em toda a minha vida dava para ser comparado ao sofrimento de ver seu filho “morto” por dentro. A falta de reação e a saudade da ouvir a voz dele eram fatores que me levavam a pensar o pior e cheguei a achar que nós o tivéssemos perdido para sempre. Passei a noite no computador pesquisando sites, blogs, lendo estudos, pareceres médicos, todos os tipos de diagnóstico e assim por diante. Muita coisa era esclarecedora, outras assustavam, mas todas me davam um norte para correr atrás e tentar resgatar meu filho.
Alguns amigos e familiares me aconselharam a procurar uma psicóloga, mas eu já estava tão traumatizada com as psicólogas que atenderam o Nicolas antes, que eu chorava só de pensar que eu teria que escutar tudo de novo: “a culpa é de vocês”, “esse menino é normal. Vocês é que estão colocando coisas na cabeça”; isso é insegurança de mãe”; “você deve estar assustada. Pára de ler o que tem na Internet!”; “o seu filho tem um retardo mental e ele nunca será capaz de freqüentar uma escola e ter uma vida em sociedade”...
Entendam: NÃO TENHA NADA CONTRA PSICÓLOGAS! Inclusive, encaminho alunos meus para os serviços e conheço muitas excelentes profissionais, mas tive o azar de primeiro passar por umas que dão desespero só de lembrar.
Só para se ter uma idéia, levei o Nicolas na primeira psicóloga que dizia, com toda certeza que ele era Retardado. Cheguei a levá-la na escola que ele estuda para ver o comportamento dele e relatei tudo o que já havia notado nele até os dois anos:
·        só falava repetições de filmes e desenhos e não construía sentenças próprias;
·        imitava o ventilador e a máquina de lavar repetidamente;
·        escolhia o tipo de comida pela cor e textura;
·        isolava-se o tempo inteiro;
·        audição seletiva;
·        aprendizado muito rápido em relação a regras;
·        pavor de barulho, como os fogos de artifício e bexigas;
·        balançar do corpo para frente e para trás;
·        movimento repetido com os dedos da mão;
·        achava que os números do relógio digital tinham expressões, mas não ligava para as expressões das pessoas;
·        falta de interesse total pelos acontecimentos à sua volta;
·        o fato de ficar o tempo inteiro como se estivesse em seu próprio mundo;
·        pouca sensibilidade à dor;
·        pouco contato visual;
Será que não dava nem para desconfiar?
Ela me garantiu que ele jamais freqüentaria uma escola, que jamais falaria e que jamais teria um contato com os outros de forma normal, pois seu retardamento estava muito avançado. Disse-me também que era para eu me preparar para o pior. Acho que ela se referia à próxima psicóloga que fomos!
Eu tinha certeza que o Nicolas não era retardado, não que isso seja o fim do mundo, mas porque era tão óbvio! Eu e meu marido conversamos e resolvemos levá-lo ao neurologista e, para nossa “surpresa”, fizemos exames que detectaram... NADA! Fomos ao fonoaudiólogo e ao otorrinolaringologista, onde foi detectado que sua audição é mais apurada que o normal, talvez aí o medo desesperado do barulho. Não podíamos chegar em uma festa de crianças que ele começava a chorar só de ver as bexigas e tínhamos que voltar pra traz. Desistimos logo de ir a aniversários. Achei muito legal quando a Vivi, uma grande amiga nossa, decidiu não colocar bexigas no aniversário de seu filho João Pedro, só para o Nicolas poder ir. Eu disse a ela que não precisava se importar, que iríamos lá no dia seguinte e daria parabéns para o João Pedro, mas ela e o Syllas, nosso amigo e marido dela, concordaram em não colocar para propiciar este momento para o Nicolas.
Acho que eles nem sabem o bem que fizeram para o meu filho com esse gesto tão altruísta... Naquela noite eu chorei enquanto tomava banho de pensar que existem pessoas boas assim. O Nicolas foi à festa e viu que aniversários não eram tão ruins assim, porque a ausência das bexigas lhe trouxe mais segurança. Como havia poucas crianças, foi perfeito. A partir dali, ficou mais fácil trabalharmos esta questão com ele e a partir dali ele ganhou um grande amigo. Nicolas e João Pedro são amigos até hoje e o trabalhar com ele em relação à amizade foi mais fácil por termos essa família ao nosso lado. O João também aprendeu a conviver como diferente e a entender o jeito que o Nicolas tem de ser amigo.
Tudo bem, ele ainda não é louco por festas nem por fazer amizades, tanto que tive uma discussão de três dias com meu marido por causa de um aniversário que o Nicolas não queria ir porque um dia, há 10.000 anos atrás, a menina chamou o Nicolas de idiota. Como a memória dele é de elefante, ele já disse que não iria porque estaria cheio, teria bexigas, som alto e blá, blá, blá. Concordei com ele, mas o Alexsander achou que eu deveria forçá-lo a ir porque ele acha que o Nicolas TEM que aprender a ir a aniversários. Eu discordei, porque acho que ele já teve que aprender muita coisa que ele não gosta, mas que é necessário como igreja, escola, sair com a família para lugares públicos, pegar transporte público, ir ao shopping, ao supermercado, etc. Festas não são necessárias se você não se sente á vontade nelas. E durante três dias, todas as folgas que nós tínhamos, discutíamos sobre o assunto. Resultado final: o Nicolas foi e saiu chorando porque o som estava alto e havia umas 20 crianças correndo, gritando e se divertindo na festa. Para o Nicolas aquilo era o circo dos horrores!

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